Avançar para o conteúdo principal

Negações do Letes I

De quando em vez, quando as noites me entram pelas narinas, frias e plenas, percorro os buracos com pouca estrada, que me empurravam à aldeia onde tenho metade dos meus pés.
De mãos geladas, presas aos rins do meu pai, sigo no segundo lugar de uma Casal, a utílima burrinha de trabalho e de passeio. Noite. A nossa existência é-o apenas pela cantada do motor, que nos testemunha a léguas, e pelo foco trémulo de um farol. A curva, antes da ponte, é o sinal do começo de uma ruidosa subida quase eterna. O moinho mostra-se pelo luar, que o não deixa esconder. Mas já ficou para trás, como o rio calado pelo escape ensurdecedor. A luz eléctrica, perdida nos Casais da Veiga, renasce ao longe num poste, que a empresa de electricidade colocou à entrada da aldeia, e torna-se, no seu brilho mortiço, um pedaço da lua que ali caíra, largada pelo céu de uma noite quase transparente. Aproxima-se, agora, o portão do cemitério, incompreensível lugar de mármores e cruzes por todo lado, que, apenas de dia, se conseguia distinguir com clareza. De dia, também lá iam aparecendo umas flores, sobre as pedras, acompanhadas muitas vezes de mulheres escuras... Quando eram muito velhas, chamava-lhes bruxas, porque muitas tinham ar de más, eram assustadoras e berravam muito quando lhes ia roubar as ameixas ou as cerejas.
A aldeia começa, enfim, a crescer, em mais alguns focos de luz, a seguir à fonte, que nasce por baixo de uma terra onde o meu avô costuma ter couves e nabos. As batatas dão melhor na Senhora das Neves!
Apertam-se as paredes das casas e pára a motorizada no largo. Devem ser umas seis da noite. Tenho as mãos como pedras. Enquanto o meu pai desprende o saco, com alguma fruta, arroz, massa, sal, açúcar e uns pacotes de bolachas - que invejo porque eram meus - , seguro na grade de trás com um qualquer baraço, agradeço o silêncio e rezo um bocadinho do lume que se cheira por todo o lado. No postigo, onde pouco mais cabe do que uma cabeça ou uma panela para arrefecer, já vejo o brilho, que a noite permite, do cabelo branco da minha avó. Chama-se Ana.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Sobre a governação do concelho... e a (re)(re)(re)candidatura

Pessoalmente, considero que estão reunidos todos os motivos para podermos considerar o candidato do PS um mau candidato. É óbvio que esta opinião tem base de sustentação porque é perfeitamente perceptível o seu desempenho, tantos são os anos de governação. Primeiro: não se vislumbra, nem com muito esforço, qualquer estratégia governativa ou de desenvolvimento. Para onde quer levar o concelho? Quais são os aspectos estruturantes de desenvolvimento sustentável e sustentado? Se existem, não consigo percebê-los, estarão escondidos em qualquer estratagema, como tantos outros... Poderão, os menos atentos, referir o turismo ou o nome de Montalegre. Pois! Certo é que o nome da região é bastante mais conhecido, não menos certo que há muitas pessoas que visitam o concelho... Mas quais são as consequências mais amplas que estes fluxos efectivamente têm no desenvolvimento? E o que de verdadeiro poderemos oferecer-lhes além da beleza natural? Segundo: algumas da bandeiras de governação não passam

Origem do nome "Montalegre" - A Lenda

"Conta-se que o rei, para castigar o comportamento condenável de um fidalgo, não arranjou melhor castigo (ou mais severo), do que desterrá-lo para Montalegre (que teria outro nome), por largo período de tempo. Cumprida a pena, mandou o desterrado aparelhar o cavalo para partir. Quando o criado lho apresentou para que montasse, o fidalgo mete o pé no estribo e diz para quem foi apresentar despedidas: “ Monto, e monto alegre ”. Isto, diz a lenda e terá sido a origem do actual nome da vila - Montalegre ”. PR: wait... I: wait... L: wait... LD: wait... I: wait... wait... Rank: wait... Traffic: wait... Price: wait... CY: wait... I: wait... YCat: wait... I: wait... Top: wait... I: wait... L: wait... C: wait...

Lendas de Montalegre e Barroso

Lenda da Ponte da Misarela "Legado exuberante do imaginário popular, construído de estórias e memórias de origem obscura, narradas e acrescentadas ao longo de anos e séculos, e fortemente ligado a crenças religiosas, com seus temores, terrores, profissões de fé e ânsias de protecção divina, as lendas constituem um vasto e fascinante espólio cultural do nosso país. O Norte português é especialmente rico no que ao lendário respeita, numa sarabanda fantasmática de espectros e almas penadas, duendes e princesas cativas, lobisomens e potes de ouro escondidos. No Barroso, muitas são as lendas passadas de geração em geração, mas a mais notória de todas será a da Ponte da Misarela, em que, como em tantos outros casos acontece, o protagonista é o diabo. O próprio, em pessoa. Localizado na aldeia de Sidrós, na freguesia de Ferral, concelho de Montalegre o cenário do episódio é a velha Ponte da Misarela, sobre o Rabagão, cujas margens penhascosas surgem belas a uns e horríveis a outros, co